terça-feira, outubro 23, 2007

Fragmentos 4

La remendadora - J.E. Vuillard, 1891

Um dia um poeta alcunhou-me: poetisa-profunda.
E eu fiquei pensando no tamanho desse codinome.
Foi necessário descer aos porões de mim,
Virar o âmago pelo avesso.
Percorrer as subterrâneas vias, sem corda ou escafandro.
E trazer à tona — com a ajuda apenas de Deus—
A corrosão que aflige a alma
Para fazer nascer um poema.



Sílvia Câmara

sábado, outubro 20, 2007

Fragmentos 1

pear in beetroot sauce

Não me dou conta de que tenho que urdir palavras para redimir o pensamento.
Escrever tornou-se um confessionário: porto de esperança e salvação.
Acasos não existem. Há o querer.
Tão rubro como uma beterraba.
O bom senso diz que beterraba não é uma palavra poética.
Mas é a cor que escolhi para dar conta do querer.
Às vezes ela desbota.
Sílvia Câmara

domingo, outubro 14, 2007

Primeiro retorno anunciado


Eis que o retorno é manso.
E a mansidão ajudou a soltar a voz
Entalada no peito:
Um dia eu viro só vento,
Nuvem clarinha algodoeira
Salpicada de entretantos.
São tantos os versos que choveriam...
Aqueles versos mais sutis
rabiscados no espaço
rendilhando o céu.
Mansos versos para dizer
Que a eternidade é imensa
E parece ser tão cruel.

Sílvia Câmara
(Após saber que o poeta Alberto da Cunha Melo havia encerrado sua jornada nesta vida na noite de 13/10/2007)