terça-feira, dezembro 16, 2008

Lembrança

(Dedicado à Adélia Prado)

foto: Sílvia Câmara


Evoco luzes fugidias
Do devaneio e da lembrança.
Naquele lugar,
Onde memória e imaginação se fundem.

Construo paredes
Com sombras impalpáveis,
Reconfortando-me com ilusões de proteção
Ou tremendo atrás de muralhas.

Eis que ela aparece:
A casa. Aquela casa.
A minha fortaleza.
E fico em paz!

Sílvia Câmara

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Tempo e Espaço

foto:Luiz Felipe Monteiro-Olhares.com

De tanto que vi do mundo
Cansei.
De tanto que apreendi
Esqueci.

Agora fico calada,
Muda.
A espera é estratégica.

E por isso os ramos crescem,
As raízes se aprofundam.
Busco no centro da terra o encontro.
Seria razoável descrever tal sentimento?

Continuo esperando...

Assim é que
Os ramos ganharam o espaço
E as raízes atravessam o tempo.

Sílvia Câmara

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Semeadura

foto: Silvia Câmara


Cultivei poemas
como quem cochila em ombro de mãe.
Suavemente.

Cultivei poemas
Como quem acorda com passarinhos.
Alegremente.

Cultivei poemas
Com a ânsia de um afogado.
Sofregamente.

Cultivei poemas
Com o desvario de um suicida.
Exaustamente.

Havia uma horta em meu coração.

Silvia Câmara

quinta-feira, novembro 27, 2008

Sobre arcos e liras ( Dedicado a Octavio Paz)

foto: Silvia Câmara


Desviei os olhos do poético
Relanceei-os por um poema.
Que forma é essa que me puxa
E faz nascer um sentimento ímpar.

Parece um anjo bafejando sorte.
Quiçá trouxesse boa nova:
“Técnica e criação, utensílio e poema são realidades distintas.
A técnica é repetição que se aperfeiçoa ou se degrada: é herança e mudança – o fuzil substitui o arco.”

Não! O poeta não cria a partir do nada.
Sempre há e sempre haverá em que se apoiar:
Uma linguagem.

Sílvia Câmara

quarta-feira, novembro 26, 2008

Atirei no que pensei ver - Acertei no que precisava

foto - Silvia Câmara


Do tanto que procurei
Pensei ter feito o acertado.
A calma chega,
Amadurece,
Resolve ficar.

Coisa boa.

Sílvia Câmara

domingo, novembro 23, 2008

Cantiga para sete versos



O canto que eu queria cantar
Foi-me tirado pelos pássaros.

A luz que eu pensei existir
Subtraiu-a o sol.

E essa água brotando em meus olhos
Fiapo de cachoeira:

Saudade de canto e luz.

Sílvia Câmara

terça-feira, agosto 26, 2008

O Caminho

A 1ª seta amarela ( No Caminho para Santiago do Iguape/BA)


O Caminho começou em janeiro. A partir do momento em que decidimos, o caminho mostrou-se. Horas, fácil, em outras, terrível. Mas a escolha estava feita. Treinos, simulações, equipamento adquirido, vontade, desejo, planejamento, resiliência. A princípio tudo certo. Mas a prova de verdade começa no próximo dia 02.



E que possamos dizer Ultreya e Suseya!



Saudações peregrinas,




Sílvia Câmara










Tantas canções de Iandaia

Foto Sílvia Câmara( Igatu/BA )


De uma única peça ela se fez. Teceu a pele cor de barro. No rosto, duas esmeraldas ao molde de olhinhos. Mas do infinito vieram-lhe as lágrimas copiosamente vertidas. Saudade! Lembro de quando era ainda só grão de areia e lama de argila. Não enxergava a outra margem, no entanto não padecia. Dos escondidos da memória fez-se um clarão: lembrança atávica de poços e lagoas. Com esse arsenal Iandaia passeava. Descia do indígena Olimpo e visitava os abismos. Horas de tristeza e angústia antecedendo milhares de anos de regozijo.
Iandaia revê a meninice. Caminha pelas pontes da velha cidade. Abraça as árvores, desfolha os galhos. Levanta a cabeça e aspira todos os odores. Odores da cidade velha e da nova Iandaia. Seu olhar repousa nas águas do rio. Um rio nascido tão longe, coleando margem como serpente fosse, até o desaguar. Noite alta a cidade dorme e Iandaia vela seu sono abissal. Sem querer, pensa-se ave. Rememora um vôo antigo e azul de quando juntava plumagem. Voejando pelos céus qual anjo. Medo de queda, nem um pouquinho. Acaso encontrasse uma rapina, no sem-querer, por desencontro, havia de se safar, transida de outras forças. Iandaia segue as sombras e a névoa densa que vai se adensando cada vez mais. Um pio a alerta. É preciso sair do devaneio? Não há resposta: O silêncio só escuta. Pudesse agora voar e o céu tomaria. Apressa o passo. Alguém seguindo? Agora corre. É tão escuro!
Pelos desvãos da noite segue Iandaia. Acaso roubaste o fogo qual Prometeu? Por que espias noite afora? Por que passas as noites a espreitar? De que mistério padece Iandaia, tendo um rosário a desfiar por hora e um martírio a desvelar por dia? É que o céu carece de dores, pensa. A caminhar levo as noites, faça chuva, faça luar. No mais das vezes a bruma é a maior companheira. Percorro o mesmo trajeto da tapeceira homérica, noite após noite, durante uma eternidade. Quisera ir ao sertão, fazer o périplo de um rio. Atravessar suas veredas e voejar qual andorinha.
Ela quer ver o mar. O mar tão verde da cor dos olhos que lhe implantaram. A saudade sopra da onda. Vem com a brisa da beira da praia e as esmeraldas liquefazem-se. Sente a solidão e chama o companheiro. Esqueceu-se de tua sina? Iandaia tem uma missão noturna. Quem te livrará dos grilhões da noite? A vida tem duas margens: a de entrada e a de saída. O percurso de uma para a outra é o viver. A água que se atravessa é do tamanho de uma vida. Iandaia olha ao redor. Encontra sua clépsidra.
Do poente para o nascente caminha Iandaia, num anti-horário movimento. A esta hora, no já quase-noite, a pele sente a primeira aragem do desentardecer e Iandaia tenta acomodar o corpo de maneira que possa receber o derradeiro afago daquele sol que vai pousar no oceano. Logo, a noite e o escuro serão substância quase tão palpável quanto a liquidez do mar. Escoa a sexta hora noturna e ela não pode apresentar cansaço. É preciso uma canção para acalentar Iandaia. Está quase sem forças e os olhos pesam. Serei Eurídice? Não tenho um Orfeu. Se atravessar o Hades não haverá volta, e há uma imensidão para velar. Acorda, Iandaia. A lua te fará companhia.
Conta a lenda que Iandaia partiu de lagos ensolarados, mas as sombras a alcançaram. Nessa água corre também o meu sangue, soluça Indaia, poetizando a dor e seu drama. E as sombras caem tão pesadamente sobre aquela inefável água, parecendo querer sepultar-se nela. A água dando-lhes destino, levando-as num caudal. Nutrindo-as com suas lágrimas de influência orvalhada e soporífera. Uma palha se desprende das cabeleiras dos chorões e, arrastada, prende-se nos caniços. Iandaia contempla-a, em sua pensativa tristeza e murmura: quem me dera ser aquele fragmento de galho, arrastado pela correnteza etérea, qual Ofélia em seu devaneio aquático.
Iandaia quer escrever, Mas tal arte é de responsabilidade extrema. Saberá dispor dos fatos e acontecimentos, numa cronológica ordem? Tantas vezes vai o cântaro à fonte, que por fim lá ficam suas asas. E se o espelho d’água se move, a lembrança evocada se esfuma. É que o devir da água é a morte. Como num Lethe, bebe Iandaia do esquecimento. O que se passa debaixo dessas águas? A imaginação de Iandaia se solta...Houve um tempo em que eu via o sol todos os dias: do nascer ao anoitecer. Resignadamente, prossegue a caminhada. A peregrinação ainda não chegou a termo. Detém-se para tocar um alvo lençol, pendente do balaústre da penúltima e antiga ponte. Seu olhar volta a repousar na água que reflete uma lua vermelha. Desse olhar, Iandaia se convence do quão estúpido é o seu padecer. Alucinada, rasga o lençol balouçante e joga seus retalhos ao rio. O gesto reverbera: São retalhos de uma vida inteira. A água treme, não mais que Iandaia. Enlouquecida, toma consciência de ser mero personagem, jogo de marionete. Revolta-se. Arrisca-se Iandaia a saltar. Um vôo a alerta. Pássaros ou sombras vêm me perturbar o raciocínio. Obnubilam-me a visão, já turva pela descoberta. Pudesse agora encontrar Anratí. Mas neste mundo de taciatã não há lugar. Resta-me a água.
No sonho de uma vida acontecem muitas coisas. Perpassando a sutil claridade vê-se o equinócio: um tanto do dia — mesmo tanto de noite, em partes iguais. Por que Iandaia não percebe duas metades? Ela nasceu para a noite. O dia é sua sonolência, de uma alvura de mil guaratingas. A noite é sua companheira e guardiã, fusão de passado e presente. Vestida de violetas a sombra prossegue, mais vagarosa, excessivamente cansada. Passos cada vez mais lentos. Como pequeninas mortes internas, os sons se avolumavam, fazendo eco. Quase em tentativa derradeira, Iandaia arrisca correr. Não há obediência. Espinhos alfinetam sua alma. Nunca saberei o que de fato aconteceu. Parece que havia um espelho colocado impensadamente no leito do rio.
Atravessando a neblina surge tênue uma luz. Aracê — a aurora — raia com seu branco véu. A última ponte se avizinha. Percurso completado. Açoitada pelo vento matinal, sua pele arde e lágrimas umedecem sua face. Uma ancestral saudade cai sobre ela. Com o peso de mil outros anos – espaço e tempo infinitos. A companheira sombra alonga o olhar, visitando ou perscrutando o leito do rio. Com este são vinte e um pernoitares e amanheceres. E a ponte última é chegada. Onda não há na água, somente o espelho chamando. Agora Iandaia tem pressa. Roubando ao Poeta — Sua pressa e firmeza eram de quem conhecia todas as veredas do próprio destino. Qual o melhor atalho: a certeza da morte ou a descoberta da vida?
Vorazmente a água reclama o mergulho duplo: Iandaia e sombra. Todas as flores entortam-se nos talos, pendurando-se na amurada beirando o rio. Espetáculo noturno diariamente aguardado. Três semanas de vigiar por uma de descansar: somente enquanto Ati é nova. Última noite de plenilúnio, Iandaia despede-se da ponte. Despe-se de roupa e medo. Salto. O segredo foi revelado. Para conseguir o eterno encontro seriam necessários muitos vinte e um albores para tecer a história de uma vida, onde dois passam a ser um. Duas almas trocam confidências durante sete noites de lua-nova. Sete alvoradas as vêem dormir. A família dali seria edificada. Seria? E se a sina fosse vitalícia e hereditária? Capitania de fardo. No sono, repousam os braços como galhos entrelaçados perfiando a água entre os dedos. Quais anjos de asa única necessitando o par para alçar vôo. Iandaia encontrada em Anrati. Canção do amor de sete noites, sete vôos, sete sonhos. Infinitamente, tantas canções de Iandaia!

Sílvia Câmara


Glossário – tupi-guarani/português
Anratí – o despertar do dia
Aracê – a aurora
Atí – a lua, na mítica bororo
Guaratinga – garça branca
Iandaia – variante de Iandara – meio-dia
Taciatã - dor, sofrimento

quinta-feira, maio 08, 2008

Chegança



E eis que então pousei na lua.
numa lua-meia
calçando meias,
Meias de pluma,
para não machucá-la.

Fechei minhas asas:
Recostei-me.
No dragão ou em São Jorge?

Sei apenas que adormeci
Pois no sonho vi meu anjo.
Percebi que
Havia chegado em casa.

Sílvia Câmara


Trapiches Nº 1 está no ar!


Está no Ar!

O n° 1 da TRAPICHES, a revista eletrônica sobre arte e cultura do nosso Projeto Macabéa, está no ar! Agora vocês podem navegar à vontade pelas 22 matérias, divididas pelas seções: Grãos, A Granel, Boneca de Pano, Olho Mágico, Secos e Molhados, Presentes Finos e Perfumaria. Há de tudo um muito: entrevistas, crônicas, contos, poemas, críticas, vídeos, etc. Além de 7 seções, temos o Extrapiches, que traz o nosso Cais (Capitania Geral de Blogs), sempre com uma seleção de 10 blogs indicados pela Revista.

Aproveite e inscreva-se no 1° Concurso Literário da Revista Trapiches e mostre seu talento.Enfim... É muita coisa!Acessem aqui: http://www.trapiches.com.br/, e boa leitura! (Namastê)

segunda-feira, março 24, 2008

Sobre trilhas e bênçãos

Vale do Pati - Sílvia Câmara

Em tempo de páscoa
Sai decidida a andar muito.
E andei.

Nem sei direito
Acho que flutuei.

Cheguei tão alto que alcancei o céu
Ouvi Deus e o melhor:
Ele me ouviu.

Atravessei veredas, vales
Córregos, rios, cachoeiras.

Meu anjo bom mostrou-me flores,
Deu-me alma nova, lavadinha
Presenteou-me com beija-flores.

Descobri que páscoa significa passagem
De um tempo a outro
De um mundo a outro
De um modo de ver a outro.

Passeei
Emocionei-me.

Descendo aquele Beco
Quase me passarinhei.
E foi assim que, suavemente,
Naquela travessia,
Pascoei.

Sílvia Câmara

domingo, março 09, 2008

Sobre como obedecer a uma ordem


Achei um ninho
cheio de sílabas.
Mas elas dormiam implumes
tão silenciosas como pedras
em seu pétreo sono.

Pensei acordá-las
Suspirei.
Apareceram três sílabas: SI - LÊN-CIO

Tentei desistir
Vieram outras três: CO - VAR - DE

Agora não posso mais recuar
Elas dançam e
Sob o meu olhar atônito
Aparece : ES - CRE - VE!

Sílvia Câmara

quinta-feira, fevereiro 28, 2008

A Memória e o poeta



Conheço uma zona
Pode ser uma zona morta da minha existência.
Talvez por isso leve a vida
Tentando estabelecer uma conexão com o tempo.
o tempo passado
o tempo futuro.


Busco a memória. Ou o martírio.
Mereceria eu ascender?
Será de fato que preciso morrer
Para encontrar o início e fazer a ligação dos elos?
Resgato minha essência perdida?
Conquisto a salvação?
Ou desço à danação?


Um anjo vem e diz:
O poeta sabe!

Continuo a viagem.
Carrego na mochila a minha ignorância.

Sílvia Câmara

sábado, janeiro 12, 2008

Como um poema neo-barroco


Enquanto a vida acontece,
A casa suspende-se como um poema barroco
Os animais pensam e eu fico só.
Escrevo coisas em desconexo
Apenas para não ficar imóvel.
Não tenho reserva de palavras.
Não há uma fábrica no meu bolso,
Como havia em Neruda.
As abelhas passaram à minha volta
E eu não as pude caçar.
Volaram las palabras.
Ao menos deixaram seu néctar
E aquela cor de pólen impregnou meu pensamento.
Hoje quero vestir amarelo.

Sílvia Câmara

sábado, janeiro 05, 2008

Depois de ler Envoi de Mário Faustino

Habitación del escritor- Luiz Rejano

Vai, escrito meu
Tentar dizer a quem te leia
Dessa dor que lateja,
Corrosiva como a vida que perdura.
Conta de toda a alegria
Do canto que entoamos:
Ardente ritual
De inocentes gestos
E do que restou dessa folia.
Conta-lhes do efêmero,
Daquela cor esquecida
Que sobrou na lajota.
Naquela, onde o azul desbotou.

Vai, escrito meu
Não posso te seguir.
Não sou rei, nem declarei guerra.
Quedo-me aqui e te escrevo.


Silvia Câmara