quinta-feira, novembro 23, 2006

A memória de uma Terra Sonâmbula – análise da obra de Mia Couto


resumo:
O presente artigo tem como objeto de análise o romance de Mia Couto, Terra Sonâmbula, publicado em Moçambique, em 1992, no final das lutas pela independência do país. O viés escolhido foi a influência da memória na construção poética, utilizando-se como referencial teórico o conceito de memória individual e coletiva de Maurice Halbwachs, de percepção e imagem de Henri Bergson, bem como de imaginação e imagem literária de Gaston Bachelard.

Palavras-chave: Terra Sonâmbula; Memória; Mia Couto; Tempo; Narrativa.

“— Vou te contar minha estória, estrangeiro.— Kindzu, emendei.—Kindzu, aceitou ele. E começou a narrar. Sua estória deve ser lembrada."Mia Couto

Refletir sobre a memória traz um outro conceito: o tempo. Observa-se que a presença do mito numa obra literária desempenha uma função, revela uma visão de mundo. Em alguns casos, como na escritura de Mia Couto, a memória representa uma forma de resistência, apresenta-se como mediadora no percurso do pensamento sobre identidades cultural e nacional. Revela a capacidade de evocar o passado comum através do presente, como se a memória diária falasse ao leitor.Entretanto, para se falar de memória na construção poética de Terra Sonâmbula, é necessário imiscuir-se um pouco em tal narrativa: trata-se de um percurso fantástico vivido entre as neblinas de uma cultura povoada de sonhos, de lendas, de ilusões e de feridas e cicatrizes de guerra. Sob esse prisma, Mia Couto constrói um projeto de repensar a sociedade moçambicana, tendo em mira que cria ficção a partir de uma condição real, transformando a leitura num ato socialmente simbólico, sem, no entanto, tornar-se panfletária. O autor traz as camadas populares para o centro do debate e consegue demonstrar de que modo o campo literário se oferece como um espaço privilegiado para a discussão dos campos político, histórico e social, e não somente como um entre - lugar de entretenimento.
Convém, também, esclarecer que, segundo Carmem Lúcia Tindó Secco (1999, p.10) “Moçambique é um país que tem, impregnados em sua memória histórica, traços de culturas várias: a dos africanos de origem banto que habitavam essa região da África Austral; a dos árabes que, antes dos portugueses, se instalaram na Ilha de Moçambique e comerciaram com as tribos negras do continente; e a dos lusitanos marinheiros, que, comandados por Vasco da Gama, aportaram nessa ilha, no ano de 1498”.
Neste estudo sobre o papel da memória no processo escritural de Mia Couto vai nos interessar a dimensão pessoal da memória, aquela que trata da introspecção e do olhar do sujeito coutiano para o passado. Entretanto, não se pode olvidar que a memória, na obra do autor, assume também a dimensão coletiva e social, na medida em que revela as alegrias, as angústias e as vivências. O olhar é social e universal, busca a inteireza para além dos aspectos que ocultam a fragmentação do sujeito. Diz claramente, contesta o fingimento e tenta resgatar o valor da tradição oral de contar histórias.
A memória é o fio condutor da narrativa. Conforme as lembranças aparecem, os escritos vão acontecendo. “Quero pôr os tempos, em sua mansa ordem, conforme esperas e sofrências. Mas as lembranças desobedecem, entre a vontade de serem nada e o gosto de me roubarem do presente. Acendo a estória, me apago a mim. No fim destes escritos, serei de novo uma sombra sem voz”. É ainda pela memória que as convenções que permitem o fenômeno da significação do uso das línguas naturais se apresentam: os estados e processos que dão significado às coisas. Como um jogo de claro-escuro, de presente-passado e de presença-ausência: “O velho se lembrava, olhos quiméricos. Recordava o trem resfolegando pela savana, trazendo as boas simpatias de muito longe. Sua memória se inundava de vapores e fumos, esses que cacimbam as sonolentas estações”.
Sílvia Helena Câmara Martinez - PARTE 1

4 comentários:

Suelen disse...

OI meu nome é Suelen , nunca tinha lido nada sobre Mia Couto, agora aos 19 anos fazendo cursinho para entrar numa universidade, tive como um dos livro citados no vestibular o livro de Mia Couto " TERRA SONÂMBULA"... Apenas dei uma estudada no resumo do livro e achei mto bom! adorei o livro agora pretendo ler o livro td assim q tiver um tempinho , adoro ler um das minhas paixôes!!! Obrigadoooo Xau...

Anônimo disse...

Também sou um admirador de Mia Couto, sua forma de escrever é impressionante. Só uma dica. Cuidado com o termo "fantástico" nas obras dele.

Sílvia Câmara disse...

Olá Anonimo, obrigada pelo passeio aqui no Brisa. Quanto ao termo fantástico, é utilizado com a intenção de apresentar o realismo coutiano por um viés mais palatável, assim como Guimarães Rosa e Garcia Marquez faziam.
P.S. Vou postar a 2a parte desse texto.
abraço.

Edson disse...

Eu adoro mais as "palavras_chave" q ele usa:(esperto é o mar que ao em vez da briga, prefere abraçar o rochedo) postei até no meu mural do fcbuk e twitter.