quinta-feira, dezembro 28, 2006
A fase azul
Havia um tempo em que o céu mirava-se nos meus olhos e não meus olhos no azul do céu, o que não é nenhuma novidade, porque todo mundo já passou por essa fase: só tem que nem todos se lembram...
(Grande e querido Mário Quintana)
terça-feira, dezembro 26, 2006
Matinal
domingo, dezembro 24, 2006
24 de dezembro -Hoje nasce um menino
Na manjedoura estava calmo e bom.
Era de tardinha e ainda não se via a estrela-guia. Por enquanto a alegria serena de um nascimento — que sempre renova o mundo e fá-lo começar pela primeira vez — por enquanto a alegria suave pertencia apenas a uma pequena família judia. Alguns outros sentiam que algo acontecia na terra mas ver ninguém via ou ao certo sabia.
Na tarde já escurecida, na palha cor de ouro, tenro como um cordeiro, refulgia o menino, tenro como o nosso filho.
Bem de perto a cara de um boi e outra de jumento olhavam. E esquentavam o ar com o hálito do corpo.
Era depois do parto, e tudo úmido repousava, tudo úmido e morno respirava.
Maria descansava o corpo cansado — sua tarefa no mundo e diante dos povos e de Deus seria a de cumprir o seu destino, e ela agora repousava e olhava a criança doce.
José, de longas barbas ali sentado, meditava, apoiado no seu cajado: seu destino, que era o entender, se realizara.
O destino da criança era o de nascer.
Ouvia-se, como se fosse no meio da noite calada, aquela música de ar que cada um de nós já ouviu e de que é feito o silêncio. Era extremamente doce e sem melodia, mas feita de sons que poderiam se organizar em melodia. Flutuante, ininterrupta. Os sons como 15 mil estrelas. A pequena família captava a mais primária vibração do ar — como se o silêncio falasse.
O silêncio do Deus grande falava. Era de um agudo suave, constante, sem arestas, todo atravessado por sons horizontais e oblíquos. Milhares de ressonâncias tinham a mesma altura e a mesma intensidade, a mesma ausência de pressa, noite feliz, noite sagrada.
E o destino dos bichos ali se fazia e refazia: o de amar sem saber que amavam. A doçura dos brutos compreendia a inocência dos meninos. E antes dos reis, presenteavam o nascido com o que possuíam: o olhar grande que eles têm e a tepidez do ventre que eles são.
Este menino, que renasce em cada criança nascida, iria querer que fôssemos fraternos diante da nossa condição e diante do Deus. O menino iria se tornar homem e falaria.
Hoje em muitas casas do mundo nasce um menino.
( Clarice Lispector, 1971)
Era de tardinha e ainda não se via a estrela-guia. Por enquanto a alegria serena de um nascimento — que sempre renova o mundo e fá-lo começar pela primeira vez — por enquanto a alegria suave pertencia apenas a uma pequena família judia. Alguns outros sentiam que algo acontecia na terra mas ver ninguém via ou ao certo sabia.
Na tarde já escurecida, na palha cor de ouro, tenro como um cordeiro, refulgia o menino, tenro como o nosso filho.
Bem de perto a cara de um boi e outra de jumento olhavam. E esquentavam o ar com o hálito do corpo.
Era depois do parto, e tudo úmido repousava, tudo úmido e morno respirava.
Maria descansava o corpo cansado — sua tarefa no mundo e diante dos povos e de Deus seria a de cumprir o seu destino, e ela agora repousava e olhava a criança doce.
José, de longas barbas ali sentado, meditava, apoiado no seu cajado: seu destino, que era o entender, se realizara.
O destino da criança era o de nascer.
Ouvia-se, como se fosse no meio da noite calada, aquela música de ar que cada um de nós já ouviu e de que é feito o silêncio. Era extremamente doce e sem melodia, mas feita de sons que poderiam se organizar em melodia. Flutuante, ininterrupta. Os sons como 15 mil estrelas. A pequena família captava a mais primária vibração do ar — como se o silêncio falasse.
O silêncio do Deus grande falava. Era de um agudo suave, constante, sem arestas, todo atravessado por sons horizontais e oblíquos. Milhares de ressonâncias tinham a mesma altura e a mesma intensidade, a mesma ausência de pressa, noite feliz, noite sagrada.
E o destino dos bichos ali se fazia e refazia: o de amar sem saber que amavam. A doçura dos brutos compreendia a inocência dos meninos. E antes dos reis, presenteavam o nascido com o que possuíam: o olhar grande que eles têm e a tepidez do ventre que eles são.
Este menino, que renasce em cada criança nascida, iria querer que fôssemos fraternos diante da nossa condição e diante do Deus. O menino iria se tornar homem e falaria.
Hoje em muitas casas do mundo nasce um menino.
( Clarice Lispector, 1971)
sexta-feira, dezembro 22, 2006
Filhinha
quarta-feira, dezembro 20, 2006
Aforismo
segunda-feira, dezembro 18, 2006
sábado, dezembro 16, 2006
6
Tela de Minerva
Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra
- meu avô começou a dar germínios.
Queria ter filhos com uma árvore.
Sonhava de pegar um casal de lobisomem para ir vender na cidade.
Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: meus filhos, o dia já envelheceu(1), entrem pra dentro.
Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.
Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.
(1) Aí a nossa mãe deu entidade pessoal ao dia. Ela deu ser ao dia. E ele envelheceu como um homem envelhece. Talvez fosse a maneira que a mãe encontrou para aumentar as pessoas daquele lugar que era lacuna de gente.
Manoel de Barros
Depois de ter entrado para rã, para árvore, para pedra
- meu avô começou a dar germínios.
Queria ter filhos com uma árvore.
Sonhava de pegar um casal de lobisomem para ir vender na cidade.
Meu avô ampliava a solidão.
No fim da tarde, nossa mãe aparecia nos fundos do quintal: meus filhos, o dia já envelheceu(1), entrem pra dentro.
Um lagarto atravessou meu olho e entrou para o mato.
Se diz que o lagarto entrou nas folhas, que folhou.
(1) Aí a nossa mãe deu entidade pessoal ao dia. Ela deu ser ao dia. E ele envelheceu como um homem envelhece. Talvez fosse a maneira que a mãe encontrou para aumentar as pessoas daquele lugar que era lacuna de gente.
Manoel de Barros
sexta-feira, dezembro 15, 2006
Chegança
quinta-feira, dezembro 14, 2006
Lia
"...
Deixastes uma doce lição
permitindo o amor mais puro
brotar em meu coração
partindo com sabedoria
cheia de paz e alegria
para uma nova missão.
...
recebes este poema
e espera-nos aí no céu
nos proteja com teu véu
das nossas aflições terrenas.
..."
Ruy Câmara - excertos do poema concebido na madrugada seguinte à perda de Lia - filha caçula de 1 ano e 8 meses- por afogamento.
15 anos.
Poderia ser uma data festiva, mas não é.
Faz 15 anos hoje que a pequena Lia partiu.
Nada preencheu o vazio que ela deixou,
mas o seu riso de criança ficou conosco para sempre.
São essas as tais ausências que sempre se presentificam.
E o poeta, qual Baudelaire desvairado, refugiou-se na Literatura e passou a produzir belíssimos textos. A enorme perda que revelou um dom.
Sílvia Câmara
quarta-feira, dezembro 13, 2006
Ato Institucional nº 5
Hoje se comemora, é lógico que a palavra não pode ser essa. Há exatos 38 anos iniciou-se talvez o período mais negro da história do Brasil. Com a publicação do Ato Institucional nº 5, pelo General Artur da Costa e Silva, a repressão política perdeu os freios por completo. Direitos políticos cassados. Confisco de bens. Adeus habeas corpus. Fim da liberdade democrática. Terror e repressão adotados como política de Estado, sob o olhar atento e não isento do Serviço Nacional de Informação. Guerrilhas urbana e rural eliminadas. Propaganda ufanista: Brasil: ame-o ou deixe-o. Tortura. Exílio. Sob a bandeira da manutenção da ordem a qualquer preço, os militares tomam para si tal responsabilidade, em nome da segurança e soberania nacionais. Artistas, profissionais ligados à cultura, à imprensa, intelectuais que foram obrigados a reavaliar seus papéis. Cala a boca, Bárbara! Cale-se. Cálice! Apesar de você...Caminhando e cantando e seguindo a canção. É a parte que te cabe neste latifúndio. Enfim revogado no governo do General Ernesto Geisel, em 1979. Chega a anistia, mas isso já é outra conversa.
Sílvia Câmara
Tela de Enriqueta Kleinman - Flor caída
Livro
terça-feira, dezembro 12, 2006
Café com amigas, natal e jasmins
Mais uma vez, hoje é o café de natal de uma amizade antiga.
Encontramo-nos em muitas ocasiões, mas dia de hoje é sempre diferente.
Há um ano, tivemos um café com jasmins. Lindo. Rendeu olorosos frutos, inclusive poéticos. Interessante que naquela ocasião, sentíamos a presença de alguém que estava ausente e não sabíamos quem poderia ser. Agora, quis o destino ou Deus, de acontecer o nosso encontro na casa de quem, suponho eu — seja a tal figura — aceita por unanimidade na confraria e doravante fiel partícipe.
Somos quais as andorinhas. Andamos só, sim, mas juntas fizemos, fazemos e ainda faremos muitos verões, invernos, outonos e primaveras.
Como diz uma outra amiga: Deus Seja.
Há um ano, tivemos um café com jasmins. Lindo. Rendeu olorosos frutos, inclusive poéticos. Interessante que naquela ocasião, sentíamos a presença de alguém que estava ausente e não sabíamos quem poderia ser. Agora, quis o destino ou Deus, de acontecer o nosso encontro na casa de quem, suponho eu — seja a tal figura — aceita por unanimidade na confraria e doravante fiel partícipe.
Somos quais as andorinhas. Andamos só, sim, mas juntas fizemos, fazemos e ainda faremos muitos verões, invernos, outonos e primaveras.
Como diz uma outra amiga: Deus Seja.
Feliz Natal, meninas!!!
Meu carinho
Silvinha
segunda-feira, dezembro 11, 2006
Para Larissa
Hoje quero fazer um poema de amor.
Tão terno, tão doce, mas tão imensamente teu
Como uma oferta de carinho.
Incondicionalmente amor,
Porque é para minha filha do meio:
Aquela que nasceu perto do natal
Como um presente de Deus.
Aquela que já passou por um monte de adversidades
Mas venceu todas e vencerá outras mais
—Deus não queira — mas porventura venham.
Larissa traduzido significa alegria.
E ela é a mais perfeita representação de tal estado.
Queria te servir meu amor numa cesta de flores
Ou num beijo de mãe.
Mas tu ainda dormes.
Dorme, princesa. Os anjos velam teu sono.
E eu aqui, tento servir-te amor com esta poesia.
Feliz Aniversário!
Sílvia Câmara
sábado, dezembro 09, 2006
Rima
Preciso prender uma rima nas penas de um pássaro
E deixá-la ir até onde o infinito encontra outro infinito.
Olhar céu claro e azul de uma manhã gloriosa.
Versejar num mar branco de espumas
Onde o cansaço repousa à sombra de uma branca vela.
A rima foge: será falsa?
Não.
Preciso tecer uma ode.
Cadê a musa, ou o vate.
Embalam-se no mar, em rede de frágeis versos.
Quando virão dar-me o regaço e o alento?
Sílvia Câmara
foto- hondurasart.com
De " El arco e la lira"
La poesía pone al hombre fuera de sí y, simultaneamente, lo hace regresar a su ser original: lo vuelve a sí. El hombre es su imagen: él mismo y aquel otro. A través de la frase que es ritmo, que es imagen, el hombre - ese perpetuo llegar a ser - es. La poesía es entrar en el ser.
Octavio Paz
foto by vailimia
Tristezas da Lua
Divaga em meio à noite a lua preguiçosa;
Como uma bela, entre coxins e devaneios,
Que afaga com a mão discreta e vaporosa,
Antes de adormecer, o contorno dos seios.
No dorso de cetim das tenras avalanchas,
Morrendo, ela se entrega a longos estertores,
E os olhos vai pousando sobre as níveas manchas
Que no azul desabrocham como estranhas flores.
Se às vezes neste globo, ébria de ócio e prazer,
Deixa ela uma furtiva lágrima escorrer
Um poeta caridoso, ao sono pouco afeito,
No côncavo das mãos torna essa gota rala,
De irisados reflexos como um grão de opala,
E bem longe do sol a acolhe no peito.
Baudelaire
Foto by jardimdepoesia
Bentevi e não-lhes-vi
Bentevi chegou com uma semente no bico. Parou na grade e bateu, bateu. A semente caiu. Ele se contentou em comer a casca.
Ontem uma grande amiga me falou que precisa cuidar do pai e da mãe. As outras irmãs esconderam-se nos seus medos. Porque o medo faz isso com as pessoas — tira-as do convívio— . Depois, a culpa deve ser maior.
A culpa pega a pessoa e joga num buraco enorme. O medo também. A diferença deve estar na cor. O buraco do medo é negro. O da culpa é cinza. No negro você não enxerga nada, só sente aquela enormidade lhe abraçando, tomando conta, invadindo os claros, os recantos, os absconsos. O cinza é cruel. Chega na claridade, vai escurecendo. Deixa você sofrendo na acinzentação da alma. Vai cozinhando em água morna...demorada.
Precisa aparecer um jeito de mudar essa cor. Acho que só a superação consegue clarear esses sentimentos. É a luz que aparece lá no final do túnel. Quando você chega lá é como nascer de novo. Ver a luz pela primeira vez.
Penso numa forma de ajudar. Mas sou tão pequena. E o mundo é um gigante.
Bentevi voltou. Trouxe seu par. Estão construindo um ninho. Quando o trabalho é repartido, fica mais fácil.
Voaram.
Ontem uma grande amiga me falou que precisa cuidar do pai e da mãe. As outras irmãs esconderam-se nos seus medos. Porque o medo faz isso com as pessoas — tira-as do convívio— . Depois, a culpa deve ser maior.
A culpa pega a pessoa e joga num buraco enorme. O medo também. A diferença deve estar na cor. O buraco do medo é negro. O da culpa é cinza. No negro você não enxerga nada, só sente aquela enormidade lhe abraçando, tomando conta, invadindo os claros, os recantos, os absconsos. O cinza é cruel. Chega na claridade, vai escurecendo. Deixa você sofrendo na acinzentação da alma. Vai cozinhando em água morna...demorada.
Precisa aparecer um jeito de mudar essa cor. Acho que só a superação consegue clarear esses sentimentos. É a luz que aparece lá no final do túnel. Quando você chega lá é como nascer de novo. Ver a luz pela primeira vez.
Penso numa forma de ajudar. Mas sou tão pequena. E o mundo é um gigante.
Bentevi voltou. Trouxe seu par. Estão construindo um ninho. Quando o trabalho é repartido, fica mais fácil.
Voaram.
Silvia Câmara
O pardalzinho
O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!
Manuel Bandeira
A primeira vez que li esse poema, tinha 8 anos e fazia a 3ª série primária. Acreditei, claro. Acho que foi quando me apaixonei pela literatura e poesia.
foto by saudeanimal.com.br
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!
Manuel Bandeira
A primeira vez que li esse poema, tinha 8 anos e fazia a 3ª série primária. Acreditei, claro. Acho que foi quando me apaixonei pela literatura e poesia.
foto by saudeanimal.com.br
quarta-feira, dezembro 06, 2006
A missanga
sexta-feira, dezembro 01, 2006
Para quem ficou na França
Que ao menos este livro, esta mensagem, alcance
o silêncio como um murmúrio,
o litoral como uma onda! Que ali chegue - suspiro ou lágrima!
Que entre no túmulo, e que juventude, alvorada, beijos,
orvalho, o riso da noiva,
brilho e alegria já entraram - e com eles meu coração:
deveras, de lá jamais voltou!
E que seja um canto de luto, brado de esperança que jamais mente,
som de um pálido adeus de lágrimas, sonho cujas asas
sentimos roçar levemente! Que ela possa dizer:
" Tem alguém aí - ouço um ruído!"
Que ressoe no escuro como passadas da minha alma!"
Victor Hugo, exilado, escreveu para a filha morta - afogada aos 19 anos. Tocante.
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